oi, gente! chegando às vésperas da maioral das convenções sociais, O Ano Novo, te escrevo hoje pra dizer de tudo menos das mudanças que quero pro Ano que Vem. além de tentar nadar contra a corrente das trends, muita gente já sente o peso dessa época do ano nas festas de família que não escolhemos, e sei que a sensação de tempo acabando no calendário às vezes dá um gostinho de crise batendo. eu é que não quero jogar mais uma gota nesse copo aí.
além disso, se você já acompanha a moving trucks há alguns textos, você sabe que a crise (e a mudança que chega com a crise, se tudo der certo) não tem hora pra bater. por exemplo, se você quiser mudar em novembro (ou surtar em maio!) eu vou te entender muito bem e te apoiar.
então hoje trago nada além de uma conversa sobre o que fiquei fazendo e pensando desde a última vez que te escrevi, — inevitavelmente, esse é mais um texto sobre mudanças — e um agradecimento a todo mundo que entrou nessa de ler o que eu escrevo nos últimos meses. agradeço em especial a quem tem espalhado a palavra dos Caminhões de Mudança por aí desde o último. chegou tanta gente nova aqui que eu até lavei o cabelo pra escrever esse primeiro texto que vai chegar nessas novas caixas de entrada por aí!
enfim, obrigada por estar aqui, chegando como quer que tenha chegado. repara a bagunça sim, tá?
em dezembro eu não criei nada relevante pra publicar, quase me cobrei por isso, e depois me lembrei que ninguém liga
tá, algumas pessoas até ligam, e eu acho muito fofo quando perguntam quando vai chegar uma nova newsletter, pedem pra falar sobre um assunto específico, ou me chamam nas mensagens pedindo pra eu não sumir. eu sou high profile de natureza, praticamente só cruzo com gente maneira online, e cresci fazendo amigos na primeira geração das plataformas virtuais, então diria que eu sumir não é uma possibilidade real, tá?
mas é que nas últimas semanas, talvez desde novembro, quando comecei a viajar a trabalho e não voltei mais pra casa, tenho percebido que preciso de introspecção de verdade pra fazer coisas que gosto a ponto de botar no mundo aí fora. principalmente escrever newsletter, editar fotos, conversar no instagram… por exemplo, nesse exato instante em que estou escrevendo, meu namorado pediu pra eu achar um airbnb pra nossa próxima viagem e eu instintivamente abri uma aba no navegador e quase larguei esse texto pra depois.
o depois pode ser daqui 10 minutos ou dez dias, se eu perder o fio da meada. e eu vou voltar no texto sem lembrar do que já escrevi pra começo de conversa.
meus rituaizinhos de quem mora sozinha e fica muito em casa têm disputado minha atenção com os rituais de quem tem dividido casa, não só no que tem de doméstico pra fazer (que por si só já parece interminável morando em duas pessoas, e sendo essas duas pessoas extremamente ativas em vários esportes, fazendo das roupas coisa de usar só uma vez antes de lavar. todo dia. vocês aí que tem filho conseguem COMO? respeito máximo, gente) mas na rotina que tenho gostado de compartilhar e que demanda uma logística (e uma dose de preparo emocional) um tanto mais complexa que no Rio
por conta do frio.
uma nota pra quem está lendo isso mas não me conhece ou me vê no instagram: eu moro no Rio, mas estou passando as últimas seis semanas na alemanha com meu namorado, que é alemão. aqui tem feito 6 graus num dia quente e, sim, eu já usei “warm” pra me referir a 6 graus celsius desde que cheguei aqui.
outra nota é que algumas pessoas lembram de mim quando vêem memes sobre odiar são paulo porque, bem, eu odeio são paulo. mas sempre achei que era por dar azar de só ir pra lá no frio, que faz tudo o que gosto de fazer mais difícil quando estou lá. mas, gente, eu descobri que eu não odeio o frio!
eu não gosto é de são paulo.
enfim, isso tudo pra contar que me sinto mais criativa quando passo mais tempo sozinha, em silêncio, o que parece doido de pensar agora. antes de morar sozinha, há uns três anos, eu tinha medo e evitava ao máximo essa condição. o que uns pés na bunda e outros anos de análise não fazem com a gente, né?
acontece que essa energia criativa circulando me fez falta. ainda faz.
outro dia, depois de dar uma choradinha na cozinha, recorri a um dos ítens da minha lista de recursos que fui criando ao longo desse ano, larguei mão do que tava tentando fazer e saí pra andar. não preencheu exatamente o buraco da falta, mas enquanto caminhava me lembrei que a pessoa que mais liga pro que eu coloco no mundo sempre vai ser eu, então eu que não me apresse.

me dar tempo e abrir espaço pra experimentar dinâmicas que ainda não conheço também faz parte de um processo criativo. mudar as condições em que eu faço qualquer coisa também faz parte de crescer.
foi assim com a corrida, eu me lembro.
também me lembro que devo esperar (e cobrar) de mim, principalmente se tratando dos pratinhos que só equilibro por escolha, como espero (e cobro) da maioria das pessoas que gosto e convivo: pouco e cada vez menos
a vida sozinha já espera mais que o razoável da gente
em dezembro eu ganhei um presente por dia
e minha linguagem do amor agora é atenção
nunca gostei de escolher presente pros outros.
acho que porque lá em casa todo mundo avisava o que queria ganhar de aniversário e natal (menos meu pai, talvez porque já sabia que a gente comprava presentes com o dinheiro da mesada que vinha dele mesmo), e geralmente eram presentes caros, sem muito espaço pra não acertar. então a sensação de surpreender alguém com um presente que escolhi sem pistas sempre veio com uma insegurança
sobre as expectativas que se pode criar
em torno de um embrulho
ou em torno da reação
de quem abre
acontece que esse mês eu convivi com um alemão que leva tradições natalinas a sério — embora eu quem tenha pedido uma árvore (uma árvore de verdade!!!!!!!!!!) pro nosso natal — e ele fez um calendário do advento pra mim.
nos primeiros dias do mês eu fiquei nervosíssima pensando em como presentear de volta uma pessoa que 1) já parece ter tudo, pois europeu
2) parece levar a coisa do presente bem a sério. afinal, eram vinte e quatro presentes.
até que fui abrindo o calendário a cada dia e, em alguns dias, o presente era um montinho de balinhas veganas. percebi que, talvez pela primeira vez, ele tenha tido que parar pra pensar se um doce além de chocolate é vegano ou não. em outros, era minha barrinha de proteína favorita com um bilhete de loteria, que eu esperava ele chegar do trabalho pra raspar junto (ganhamos uns vinte euros no final das contas, o que dá aproximadamente um milhão de reais e talvez minha resolução de ano novo agora seja simplesmente entrar pra forbes do brasil).
um dos presentes coincidiu com uma viagem que fizemos e no pacote da vez veio um livrinho de Sudoku. ele nem sabe jogar, mas eu sempre levo um desses comigo pra viajar e disso ele sabe.
entendi então que o presente que consiste em coisas que eu poderia comprar tem valor justamente porque foi escolhido por alguém que presta atenção.
motivada pela nova linguagem que aprendi, alguns dias antes do natal recorri ao que presto atenção e ao que sei fazer com as mãos. só precisei de memória e tempo pra inventar um presente.
ao longo de dezembro a gente se trancou no quarto do apartamento de um quarto dele algumas vezes pra fazer presente escondido. algumas outras tive que responder não é da sua conta se ele perguntasse sobre qualquer comportamento estranho que tive nesse meio tempo. tipo por que fiz ele esperar na porta ao invés de entrar comigo na galeria onde comprei parte da surpresa, ou o motivo pra eu ter ido de metrô e não de bicicleta ao centro da cidade outro dia — e era pra ter tempo de recortar e dobrar papel pro calendário de contagem regressiva até nosso próximo encontro
(trinta e seis dias, depois que eu voltar pro Rio) que fiz pra ele.
comecei três livros, assisti duas séries inteiras, e não gostei de nada
ok que ninguém assiste Love is Blind esperando gostar, então preciso dar a essa série o reconhecimento que ela merece: apesar do desconforto (o que os jovens chamam de cringe) ela me faz me sentir uma pessoa razoável.
ok também que ninguém deveria precisar assistir a pessoas em estado de completo lunatismo (não consegui pensar em palavras melhores pra classificar essa doideira) em busca de uma única coisa (e essa coisa ser casamento) pra confirmar que é razoável nessa vida. mas confesso que gosto de analisar o comportamento das pessoas em torno do amor, e o que acontece quando elas confundem as coisas, tipo amor e casar. que bagunça. Love is Blind Habibi ainda coloca uma camada a mais de desconforto nessa bagunça, trazendo dinâmicas até que previsíveis pra nós, meio orientalistas das ideias, mas bem incômodas.
a outra série que vi foi Senna. e eu simplesmente não consigo me conectar com história de rico, gente. esporte de rico, então (boa sorte em tentar me convencer que F1 e golfe são esportes), nem se fala. desculpa. apesar disso, a fotografia é linda e a série é metade em português, então me vi na situação de explicar que camarão que dorme a onda leva em inglês de algumas formas diferentes, graças a ela.
isso eu adorei.
sobre os livros, não tenho muito pra contar porque só comecei e acho que não gostei, mas se alguém aí já tiver lido e quiser opinar, foram:
Aphorisms on Love and Hate, do Nietzsche,
The Myth of Sisyphus, do Albert Camus, e
Walk, da Libby DeLana
o último pretendo continuar porque realmente li pouquinho. os outros dois achei chatérrimos, mas a culpa foi minha de tentar ler filosofia clássica em inglês quando o que eu precisava nesse período de inverno alemão era só um romancinho gostoso, uma Sally Rooney da vida.
corri bastante no frio e me ocorreu um pensamento
sobre a gramática da performance, sobre viver em função de
outro dia contei pra gabi que ia esperar dar meio dia pra sair pra correr porque era quando faria mais de 5 graus lá fora e ela perguntou por que eu tô correndo nesse frio. respondi que é pra sair mais de casa, pra ver mais da cidade, mas sabemos que é perfeitamente possível fazer isso de outras formas.
tenho corrido aqui e em qualquer lugar pra onde vou e levo um tênis simplesmente porque gosto de correr e, mesmo que sempre tenha corrido porque gosto, às vezes falo que tenho que correr. mas a verdade é que
eu nunca tenho.
desde que percebi isso minha gramática mudou. a resposta mais precisa seria dizer que eu tenho corrido no frio porque eu gosto e é inverno na alemanha.
fiquei pensando em quantas funções as coisas que a gente gosta precisam cumprir no mundo pra a gente se autorizar a usar do nosso tempo pra fazer, e nas tantas outras que nem nos permitimos a curiosidade de experimentar pela falta de lugar no mundo que só tem espaço pro funcional, um que quer que tudo funcione para algum fim produtivo.
lembro que, em 2014, depois de conhecer um alemão no intercâmbio pro canadá e voltar pro brasil encantada, eu quis aprender alemão.
conversei com meu pai sobre como essa vontade caberia nos meus dias e, como ele quem bancaria essa brincadeira, cheguei com os argumentos prontos: podia estudar depois das aulas da faculdade e, como estava no primeiro período de Relações Internacionais, até que fazia sentido estudar uma nova língua.
algumas conversas depois, com o pai que é igualmente argumentador,
me matriculei na Aliança Francesa.
afinal, francês é bem mais falado que alemão.
mesmo que eu nunca tenha pisado na frança e esteja agora pela terceira vez na alemanha nessa vida (tudo bem que, na nossa cabeça da época, era menos provável eu me encantar por um segundo alemão nessa vida do que eu não conhecer parrí até hoje), aprender francês cumpria uma função pro uso do meu tempo. puramente imaginária, mas tinha lugar no mundo que justificasse o investimento.
como medir o retorno de investimento
de tempo usado naquilo que se faz por gostar
no caso da corrida, o retorno é meio óbvio: quanto mais eu corro, melhor eu fico em correr, e isso basta pra muito corredor amador que nem eu. mas correr por correr, sem dar pra corrida uma função objetiva, me situa melhor no lugar que entendi que gosto de estar no esporte
e, pensando bem, na vida: apaixonada e curiosa
nessa de questionar minha gramática, fiquei pensando em como a gente tá cada vez mais confortável em dizer que é normal trabalhar com o que não gosta (e em simplesmente não gostar de trabalhar, no meu caso), mas em algum momento deixou de ser normal fazer qualquer coisa só por gostar
um trecho (em vídeo, clica no link pra assistir) de Maria Rita Kehl sobre a ideologia do gostar do trabalho.
e eu que prometi pra mim que esse texto seria dos menos existenciais da newsletter. e aqui estou eu querendo marcar nossa revolução pro ano que vem…
no mais, tenho usado os dias pra fazer o que já gostava: tomar café bom (brasileiro!) nadar (agora na piscina, uma coisa velha e nova pra mim ao mesmo tempo), jogar jogo de tabuleiro, comer comida feita em casa, fumar maconha legalizada, e me acabar nas porcarias gringas que tenho comido. cada dia descubro uma nova por aqui.
também tenho me aventurado no que eu já sabia que existia aqui na alemanha nessa época do ano, como passear nos Christmas Markets e tomar vinho quente (não seja você o chato que vai me dizer que o nome disso é Quentão), e no que eu nem imaginava que existia, tipo ir em sauna pelada.
com essa me despeço, gente. eu sei que é muita informação.
espero que você que me lê esteja descansa(n)do, abrindo espaço pro novo, e pro que gosta de fazer
um beijo,
mari
Adorei ler esse texto pelo conteúdo, porque mistura corrida, novas vivências que vão tocando partes desconhecidas do nosso corpo e mente...acho que isso faz parte da experiência de se relacionar com alguém de outra cultura - também vivo (há 2 anos) namorando com um alemão à distância e eu só aprendi desde então, principalmente sobre mim! Vou adorar acompanhar o que você trouxer para cá sobre quaisquer movimentos que sentir que deve compartilhar. Gosto de ler gente que escreve de forma despretensiosa.
“me dar tempo e abrir espaço pra experimentar dinâmicas que ainda não conheço também faz parte de um processo criativo. mudar as condições em que eu faço qualquer coisa também faz parte de crescer.” 🥹🥹🥹🥹